Governança jurídica ainda é tabu fora das grandes corporações, apontam estudos
A falta de protocolos internos e cultura de prevenção jurídica continua entre os principais entraves para a profissionalização do setor empresarial de médio porte.

Um estudo publicado pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) em janeiro deste ano revelou que apenas 28% das empresas brasileiras de médio porte possuem alguma estrutura formal de governança jurídica. O dado chama atenção principalmente diante do aumento de litígios e sanções regulatórias que, desde 2021, vêm atingindo com mais força empresas sem protocolos internos mínimos.
A pesquisa entrevistou 400 organizações com faturamento anual entre R$ 10 e R$ 300 milhões e apontou três gargalos principais: ausência de instâncias decisórias com suporte jurídico, inexistência de políticas internas de compliance e desconhecimento das implicações legais em áreas como contratos, tributação e proteção de dados.
“Enquanto as grandes corporações já internalizaram a figura do jurídico estratégico, nas médias empresas ainda prevalece a cultura da contenção de danos. Só se pensa no advogado quando o problema aparece”, explica a coordenadora do estudo, Flávia Nascimento, pesquisadora da FGV-Rio.
A ausência de práticas de governança jurídica também dificulta o acesso a crédito estruturado, atrapalha negociações com investidores e reduz a segurança institucional em operações de fusão, aquisição ou internacionalização. Para especialistas, o cenário é especialmente preocupante porque grande parte dessas empresas está justamente em fase de expansão.
ENTREVISTA – Salir Pinheiro
Salir Pinheiro.
Para entender os impactos reais dessa lacuna, o Brasil Agora ouviu o advogado e consultor jurídico Salir Pinheiro, que desde 2022 vem atuando com foco em compliance preventivo e fortalecimento da governança em empresas de médio porte, especialmente nos setores de tecnologia, logística e serviços.
Brasil Agora: Por que a governança jurídica ainda é um ponto cego nas médias empresas brasileiras?
Salir Pinheiro: Porque o jurídico ainda é visto como uma “resposta ao problema”, e não como parte da estratégia de crescimento. Muitos empresários não têm clareza sobre o custo oculto de decisões tomadas sem orientação jurídica — que vão desde cláusulas mal redigidas até contratações arriscadas e problemas com órgãos reguladores. E tudo isso vai se acumulando silenciosamente, até estourar.
Brasil Agora: Como estruturar uma governança jurídica sem grandes investimentos?
Salir Pinheiro: O primeiro passo é o diagnóstico. Entender onde estão os riscos jurídicos da operação. Depois, implementar medidas simples: contratos padronizados com cláusulas preventivas, definição de quem pode assinar o quê, criação de um fluxo básico para decisões sensíveis e, principalmente, treinamento da liderança. A empresa não precisa ter um departamento jurídico interno robusto — precisa ter critério, orientação e cultura de prevenção.
Brasil Agora: Qual o papel do compliance nesse processo?
Salir Pinheiro: O compliance não é uma moda. Ele organiza a casa. Quando bem implantado, reduz riscos trabalhistas, tributários, contratuais e reputacionais. Ele ajuda a empresa a crescer com base sólida. E o mais importante: quando o jurídico participa da alta gestão, as decisões passam a considerar o médio e o longo prazo — e não só a urgência do mês.
Brasil Agora: Há resistência dos empresários?
Salir Pinheiro: Existe, mas está mudando. O empresário que quer abrir mercado, buscar investidores ou até exportar sabe que precisa estar juridicamente preparado. Desde 2023, venho trabalhando com empresas que perceberam isso na prática — infelizmente, muitas após enfrentarem perdas evitáveis. A mudança começa com consciência, e se consolida com estrutura.
Em um cenário de alta competitividade e pressão por resultados sustentáveis, a ausência de governança jurídica se revela como um dos maiores riscos silenciosos para empresas em crescimento. A profissionalização do setor passa, necessariamente, pela integração do jurídico às decisões estratégicas — não apenas como área técnica, mas como parceira de direção. E especialistas como Salir Pinheiro mostram que, com diagnóstico, método e prevenção, esse caminho está ao alcance das médias empresas brasileiras.